sábado, 6 de junho de 2009

The best of Crónica

Falar de uma boa exibição de Sao Mamede Wonders no Municipal de Leça do Balio ontem à noite é o mesmo que renunciar à mais simples estética do arquétipo táctico das equipas que jogam do meio da tabela para baixo na Liga Vitalis, lutando para não descer. Falo é claro do 4x3x3. Esta grupo assenta numa equipa-tipo que poderia muito bem ter sido formada em 94-95 por Manuel Damásio e Gaspar Ramos no SLB, com erros de casting primários. O mundo da bola ainda não se recompôs do banho de bola a que ninguém assistiu ontem à noite (felizmente).

Começando pela baliza, que é como quem começa por onde calha, esteve o Ferraz. Nitidamente frustrado por não poder usufruir de um relvado liso para aplicar a sua velocidade, fazendo jus ao nome de "Gazela do Conde", numa clara alusão à sua actual residência,acabou por cumprir a sua função. Fez valer a sua voz de comando em bolas despejadas erraticamente para a área numa leve tentativa de futebol vistoso. Aliás a voz é uma das qualidades que apontamos a este jovem. A voz, firme, segura, o "deixa, que é minha!" pronunciado na perfeição, o "estás só!" soprado com segurança, o clássico e eterno "vai, caralho!" articulado irrepreensivelmente... Merece uma oportunidade onde é mais bem aproveitado: colado à linha e com o vento a favor.
A defesa à sua frente oscilou entre um hino ao Aves do Professor Neca e um grito de pânico de Luis Campos no Gil Vicente quando Gaspar fazia um carrinho esforçado na linha após uma perda de bola de Joca. E é precisamente pela posição de lateral-direito que começamos. Ou melhor, esteve alguém a lateral-direito? Ai esteve lá o Mangueiras? Ah pois foi... Há quem o apelide de falso-lento, outros de falso-rápido, mas isso são apenas más-linguas. Este jovem acumulou erros atrás de erros, qual Buturovic na sua estreia pelo FCP, acusando quiçá um pouco de nervosismo acumulado com uma tremenda falta de pés e velocidade. Um caso a rever. Mais ao centro, passamos aos belíssimos centrais que esta equipa apresentou. Belíssimos porque falo claramente no cabelo do Ivan e na barriga do Soares, dois espécimens do melhor que podemos encontrar no regional e que aquele relvado sintético já viu. Alto, forte e espadaúdo, ele foi a sombra onde o Ivan foi a luz, ele foi o gelo onde o Preto foi o fogo. Falamos claramente do Soares na provável melhor exibição que já protagonizou. Deixaria Marinelli em Santa Cruz do Bispo orgulhoso caso fosse pai dele. Ao lado dele o patrão da defesa: Ivan, o Terrível. Terrível porque insistiu em jogar numa posição para o qual não está talhado, nº10. Mas não o podemos criticar, nem todos podem seguir o exemplo de Karadas e passar de central numa equipa nórdica a rótulo de goleador no campeonato lusitano. Praticamente irrepreensivel a central, venceu duelos e dobrou na perfeição os espasmos de loucura atacante de Mangueiras e Cesário. Sim, e é do Cesário que ainda nao falei. Para ele, o campo é sempre a descer como quem desce a rampa da Makro de bicicleta. Acusou um pouco o esforço fisico pois teve de levar todo o jogo ou com alas rápidos, ou com alas com técnica e uma ou outra vez com o Toias. Fez uma boa exibição precisamente por tentar conter essa veia atacante que o caracteriza.
Passemos agora ao meio-campo, essa zona do terreno plena de virtudes e oportunidades mas com quem a bola nao quer nada. Uma zona do terreno que é a força de uma equipa tal como a indústria está para um país ou o proletariado está para os sindicatos. Mas coisa que este meio-campo não é capaz de ser é trabalhador salvo uma excepção. Falo claramente do Preto. Excelso sapador luso-angolano, disputou cada bola como se dela dependesse a vida de um menino-guerrilheiro da UNITA. A forma como intimidou adversários que pela sua zona passaram só é comparavel à forma como um crocodilo guarda o charco antes da época das monções. É o tipo de jogador que é incapaz de jogar mal e imprescindivel na equipa. Ao seu lado alinharam dois jogadores de pantufas: Costa e Santos. A Costa falta a fibra e caneleiras de alguem que traz muito em técnica mas a quem falta a raça de um centrocampista de uma equipa do prof. Neca. A forma como toca a bola, como evita o contacto fisico e cai à mais leve brisa é o oposto de ídolos da torcida do clube da Rotunda como Tavares ou Timofte. Ao seu lado, o português mais brasileiro que muitos brasileiros. Por vezes belo e genial, na maior parte do tempo ausente e superfluo. Com massa muscular muito pobre em mitocondrias,valeu pelo esforço, por vezes inglório, em pegar no jogo da equipa e "carregar o piano". As hérnias nao deixam.
Na frente, dois homens que se poderiam complementar como uma dupla Artur Jorge-Bolinhas ou até Toni-Karoglan. Falo de Rui Costa e Gonçalo. O que um ganha em estampa fisica o outro ganha em velocidade, o que um tem em instinto goleador o outro tem em drible errático e aparentemente inócuo, aguardando a oportunidade de lançar a bola nas costas da defesa. Em suma, são o yin e o yang do São Mamede Wonders. Gonçalo, caracterizado por um semblante oprimido, austero e anguloso. Sofrido até. Transporta a bola pela linha com mágoa na alma, faltando a alegria de alas mortiferos como Bakero ou João Oliveira Pinto. Sentiu em demasia a falta de jogo para a sua ala, revoltando-se com a quantidade de jogo canalizado para as loucas correrias inconsequentes de Mangueiras. Um golo, foi tudo o que pôde levar para casa de bom ontem a noite. Acabamos por Rui. Rui é o sujeito onde marcar é o verbo, é a alegria e raça, o jogo aéreo e o remate facil. Correu,lutou, veio buscar jogo mas o jogo simplesmente não queria nada com ele, sentindo-se muito desapoiado. Suor foi tudo o que ofereceu e até fica a ganhar pois assim abate a mousse toda que come em casa.
Assim fica concluida a minha análise individual a este grupo de gajos que foram vistos a correr atras de uma bola ali para os lados de Leça do Balio.

Abraço

1 comentário:

  1. Viva, antes de mais tenho a dizer que fiquei extremamente surpreendido com esta análise tão meticulosa levada a cabo por Ferraz. Primeiro que tudo: não esperava que soubesse escrever; depois, improvavelmente lhe atribuíria tamanha idoneidade enquanto cronista. No que toca à análise propriamente dita, corroboro tudo. Achei lisonjeiro da parte dele o comentário ao meu cabelo, contudo modesto, pois obviamente me ganharia aos pontos no departamento capilar. E sim, aqueles 5 minutos como pseudo-avançado, ou avançado-indie, foram determinantes para o resultado oficioso. Também eu me senti na obrigação de ter feito pelo menos 2 golos e 3 assistências. lol over and out.

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